A maior casa comercial implantada no Rio Grande do Norte encontra-se em estado de ruínas. Infelizmente, o Casarão Guarapes está sucumbindo à ação do tempo e de vândalos devido ao abandono e ao descaso de uma população que pouco ou nada conhece da impressionante história desta edificação. Localizada na divisa entre Macaíba e Natal, a Casa Fabrício & Cia foi construída em meados do século XIX por um importante comerciante nordestino que viu na região grande potencial econômico e desenvolveu ali um polo comercial extremamente expressivo que se destacou no estado durante a segunda metade do século XIX. Por causa de sua prosperidade e importância econômica do complexo, a região em que se encontra quase disputou o posto de capital do estado com Natal. Porém, no início do século XX, o comércio na região entrou em decadência, resultando no abandono da edificação. Com o objetivo de compartilhar e valorizar a rica história, arquitetura e cultura deste local, as Ruínas do Casarão Guarapes são o tema de hoje da nossa Quinta Potiguar.
O complexo Casa Fabrício & Cia foi construído no alto de uma colina às margens do Rio Jundiaí no ano de 1858 pelo comerciante e visionário Fabrício Gomes Pedrosa. Não se sabe ao certo o local de nascimento do mesmo, existindo uma dúvida entre o estado de Pernambuco ou da Paraíba, o que é certo é que ao longo da vida o comerciante morou em diversas cidades do interior nordestino, principalmente no Rio Grande do Norte. Em sua trajetória, o Senhor Pedrosa teve três esposas e foi após sua segunda união matrimonial que passou a administrar a importante região de Coité, atualmente município de Macaíba. Neste local, percebeu que a região possuía um potencial grande para o comércio devido à sua localização às margens do Rio Jundiaí e ao pequeno porto já existente que ganhava cada vez mais destaque após dificuldades no transporte terrestre de mercadorias que chegavam no porto de Natal. Desta forma, com seu empreendedorismo o visionário Fabrício Pedrosa logo se destacou nos negócios da região neste período e ajudou a consolidar Macaíba como um polo comercia no estado. Contudo, foi apenas após o terceiro matrimônio em 1858 com Luiza Florinda de Albuquerque Maranhão, irmã de seu sócio, Amaro Barreto, que o comerciante herdou as terras e mandou construir um grande complexo na região de Guarapes. Este local tinha uma vantagem em relação a Macaiba pois encontra geograficamente mais à leste no Rio Jundiaí e consequentemente mais próxima de Natal e do oceano Atlântico.
Sendo assim, o complexo se tornou a maior casa comercial já construída no estado, composto por Casa Grande, Porto dos Guarapes, “[...] armazém, escola, capela, alojamento para funcionários, e senzalas para os escravos.” (CAU/RN, s.d.) Além disso, no complexo era realizada uma grande feira que aqueceu o comércio na região, tanto que sua inauguração contou com a presença do Presidente da Província na época, o Dr. Antônio Marcelino Nunes Gonçalves (1858 - 1859) e alguns outros nomes importantes do estado. Dois anos após, o complexo possuía um enorme fluxo de mercadoria através da conexão do interior do RN ao resto do Brasil e inclusive à Europa, isto permitiu ao Senhor Fabrício Pedrosa a comercialização de uma grande quantidade e diversidade de produtos, tornando-o “[...] o mais poderoso e influente comerciante da área [...]” (CAU/RN, s.d) Importantes historiadores potiguares como Tarcísio Medeiros relatam que o Porto de Guarapes competia em igualdade com o Porto da Ribeira, em Natal, tanto em dimensão e profundidade como em fluxo de navios. Por lá, passava “[...] grande parte da produção de algodão, couro, açúcar e cereais de cidades como São Paulo do Potengi, Serra Caiada, Ielmo Marinho, Santa Cruz e, São Pedro [...].” (CAU/RN, s.d.) Por causa desta prosperidade comercial em escala estadual, o Presidente da Província do RN, Oliveira Junqueira (1859 - 1860), cogitou durante seu mandato a mudança da capital do estado para a região de Guarapes. Apesar do plano não ter ido à frente, a Casa Fabrício & Cia continuou se destacando como um polo comercial importante do RN até a morte de seu proprietário em 1872 que inevitavelmente resultou em um período de grande declínio comercial no local, culminando no seu fechamento em 1896.
Em 1889, a propriedade foi comprada pelo casal Juvino Barreto e Inês Maranhão, neta do comerciante Fabrício Pedrosa. Após a morte do médico a propriedade foi vendida por diversas vezes até ser comprada por Manoel Machado e sua esposa, a Viúva Machado. Posteriormente, a lenda atribuída a Sra. Machado ficou tão famosa no imaginário potiguar (sobre ela falamos mais detalhadamente no texto sobre O Palacete da Viúva Machado) que as Ruínas do Casarão Guarapes, por terem pertencido à mesma, podem também ser conhecidas popularmente como a casa da Viúva Machado na região. A propriedade foi vendida mais algumas vezes posteriormente e nos 70 já se encontrava em total abandono e em avançado estado de degradação quando foi incluída como parte de um loteamento. Em 1988, o deputado estadual Valério Mesquita iniciou um processo para o tombamento da edificação que foi finalizado em 22 de dezembro de 1990 através da portaria nº 456. Nesta data, a propriedade foi desapropriada e foi iniciado o desenvolvimento de um projeto de restauração pela Fundação José Augusto. Infelizmente, devido à entraves políticos, até hoje não foram feitas quaisquer intervenções para conservar ou restaurar a edificação que se encontra abandonada à mercê do tempo e da ação de vândalos. Em 2015, mais de 1 milhão de reais foram destinados pelo Ministério do Turismo para as obras de restauração do casarão, porém, dois anos após, este dinheiro foi devolvido devido à falta de iniciativa dos órgãos estaduais que não realizaram qualquer obra no local (Lima, 2021). O casarão Guarapes está atualmente em ruínas, onde apenas resiste a estrutura parcial da Casa Grande de aproximadamente 200m² e todos os outros prédios já foram destruídos pelo tempo. Além disso, a edificação não se encontra catalogada em nenhum importante site de mapeamento na internet e seu acesso é difícil por causa da densa vegetação que a encobre, o que a deixa ainda mais distante do conhecimento e interesse público.
Quanto à arquitetura é possível identificar que a Casa Guarapes foi construída seguindo o estilo colonial, arquitetura muito popular no Brasil durante todo o período colonial (1500 – 1822) e também no início do período imperial (1822 -1889). Outras edificações com este estilo que possuem textos aqui na Quinta Potiguar são: Museu Café Filho, Casa Pe. João Maria, Engenho Cunhaú, Forte dos Reis Magos, entre outros. Através de análise da fachada do Casarão Guarapes é possível concluir que a edificação é uma típica casa colonial de morada inteira, isto é, é composta por 4 janelas e uma porta central que dá acesso à residência. Também podemos destacar sua simetria, a simplicidade dos traços, pouco ou nenhum adorno, paredes lisas, telha colonial aparente com queda d'água para a frente da casa formando um beiral na fachada adornado com cornija, eira e beira e empena alta para as laterais que auxiliam na circulação do ar no interior da casa, assim como é possível notar janelas e portas retas com verga em arco abatido.
Em suma, o Casarão Guarapes foi uma edificação que marcou a história do Rio Grande do Norte e contam em seus traços um período de prosperidade e avanço. Infelizmente, a edificação encontra-se abandonada e esquecida por sua população e pelos administradores públicos, correndo sério risco de ser apagada de nossa história. Para que esta tragédia não aconteça é necessário que o máximo de pessoas reconheça e valorize a belíssima história desse local para que possamos cobrar aos órgãos públicos o cumprimento de seu trabalho realizando um projeto de intervenção desta edificação histórica. Não podemos perder mais um exemplar da nossa arquitetura.
Para mais fotos do Casarão Guarapes pelo fotógrafo Canindé Soares basta clicar aqui.
Fontes:
MEDEIROS, Tarcísio. Aspectos Geopolíticos e Antropológicos da história do Rio Grande do Norte. Natal: Imprensa Universitária, 1973. 276 p.
BRASIL, Adriana. Tristes Ruínas: marco da economia potiguar no século 18 e início da cidade de macaíba, o casarão dos Guarapes padece abandonado, enquanto sua recuperação não passa de promessas. Revista Bzzz, [s. l], v. 29, n. 3, p. 38-47, nov. 2015. Fotos: Luíza Tavares.
CAU/RN. Casarão dos Guarapes de macaíba continua em ruínas. Cau/Rn, Rio Grande do Norte, s.d. Disponível em: https://www.caurn.gov.br/?p=13634. Acesso em: 01 dez. 2021.
DEUS, Nádia M. L. de. Macaíba - Casarão Guarapes. Ipatrimônio: Patrimônio Cultural Brasileiro, Brasil. Disponível em: http://www.ipatrimonio.org/macaiba-casarao-dos-guararapes/. Acesso em: 01 jan. 2022.
OLIVEIRA, Ranilson. Ruínas De Guarapes É Testemunha Do Desenvolvimento Econômico Do RN No Século XIX. Brechando, Natal, 27 jan. 2018. Disponível em: https://brechando.com/2018/01/27/ruinas-de-guarapes-e-testemunha-do-desenvolvimento-economico-do-rn-no-seculo-xix/. Acesso em: 01 jan. 2022.
LIMA, Eliana. Marco da economia potiguar no século 18, o Casarão dos Guarapes continua em ruínas. O RN devolveu R$ 1 milhão ao Ministério do Turismo porque não ini. Bznotícias, Natal, 27 nov. 2021. Disponível em: https://bznoticias.com.br/noticia/marco-da-economia-potiguar-no-seculo-18-o-casarao-dos-guarapes-continua-em-ruinas-o-rn-devolveu-r-1-milhao-ao-ministerio-do-turismo-porque-nao-ini. Acesso em: 01 jan. 2022.
SOARES, Canindé. Ruínas do Casarão do Guarapes. Canindé Soares, Natal, 27 jul. 2021. Disponível em: http://canindesoares.com/ruinas-do-casarao-do-guarapes. Acesso em: 01 jan. 2022.
HISTORIADORESDEMACAÍBA.BLOGSPOT. Casarão dos Guarapes. Historiadores de Macaíba, Macaíba 16 abr. 2015. Disponível em: http://historiadoresdemacaiba.blogspot.com/2015/04/casarao-dos-guarapes.html. Acesso em: 01 jan. 2022.
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