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  • Foto do escritorJúlia Chaves

Lucy Garcia Maia e o AeroClube

Atualizado: 11 de abr.

A primeira aviadora do Rio Grande do Norte


Dedico este artigo à dona Lucy Garcia Maia (In Memorian), pessoa doce e ímpar que tive a honra de conhecer e de quem guardo com muito carinho os lindos sapatinhos que tricotou para mim quando eu era bebê. Sua história brilhante, me inspira a ser uma mulher que acredita e corre atrás do meus sonhos. Também, dedico aos meus padrinhos queridos, Maurício Garcia Maia e Maria da Glória Chaves Maia, filho e nora de dona Lucy, que contribuíram com informações valiosas para o desenvolvimento deste artigo.


Júlia Chaves Nunes de Carvalho

Arquiteta e Urbanista, Mestre em Arquitetura e Conservação e Sócia efetiva do IHGRN.



Para celebrar o Dia da Mulher em 8 de março, vamos compartilhar a história do AeroClube de Natal e da piloto Lucy Garcia Maia. Reconhecido como símbolo da aviação no Rio Grande do Norte, o Aero foi instalado em uma edificação já existente no novo bairro de Natal, Cidade Nova, para abrigar um pequeno campo de aviação e a primeira escola de pilotos do estado. Nessa época, o Rio Grande do Norte testemunhava grandes conquistas na aviação mundial, mas esta era uma área dominada por homens. Porém, durante a Segunda Guerra Mundial, Dona Lucy Garcia, que já havia sido pioneira na prática de esportes, decidiu perseguir seu sonho de voar. Apesar das discriminações da época, ela se matriculou na escola do aero, tornando-se em 1943 a primeira mulher potiguar a obter um Brevê, documento que lhe dava permissão para pilotar. Sua inspiradora história de superação e coragem, juntamente com a análise histórica e arquitetônica desta edificação símbolo de Natal, serão os destaques de hoje na Quinta Potiguar.


AVIAÇÃO NO RIO GRANDE DO NORTE

Após o término da guerra em 1918, a aviação começou a se popularizar como um meio eficiente de transporte, especialmente para conexões intercontinentais. O Rio Grande do Norte tornou-se um ponto crucial nas principais rotas aéreas comerciais devido à sua localização estratégica na América Latina, sendo geograficamente o ponto mais próximo da Europa, África e América do Norte. Essa posição foi fundamental no século XVI nas rotas das grandes navegações e nas décadas de 1920 e 1930 tornou-se essencial para o novo meio de transporte aéreo. Assim, o litoral potiguar logo se tornou palco de feitos históricos, como local de escala para a travessia de Lisboa ao Rio de Janeiro realizada por Sacadura Cabral e Gago Coutinho em 1922, e o destino final da viagem realizada por Ferrarin e Del Prete em 1928, que bateu o recorde de distância sem escalas em voo de Óstia, na Itália, à Touros.

Em virtude deste aumento da atividade aérea no estado, em 1927, um grupo político liderado pelo futuro governador Juvenal Lamartine aprovou e promulgou a construção de um aeródromo no Porto de Natal para acomodar os hidroaviões que pousavam no Rio Potengi. Naquele mesmo ano, o Campo de Pouso de Parnamirim foi construído em uma planície à 20 quilômetros do centro de Natal, hoje na cidade de Parnamirim. Por fim, em 29 de dezembro de 1928, era inaugurado o AeroClube de Natal em um edifício que contava com um pequeno campo de pouso e hangar. E desta forma, Natal iniciou a década de 1930 como a capital brasileira com mais infraestrutura e proeminente nas rotas aéreas nacionais e internacionais.


AEROCLUBE DE NATAL

A edificação escolhida para sediar o AeroClube foi cedida pelo ex-governador Alberto Maranhão e situava-se no bairro Cidade Nova, afastado do centro urbano da cidade, que naquela época se resumia principalmente à Cidade Alta e à Ribeira. A implementação do bairro Cidade Nova, que hoje inclui os bairros de Tirol e Petrópolis, foi resultado de um período de intenso desenvolvimento e modernização em Natal. Dessa forma, a decisão de instalar o clube nessa nova região estava alinhada com o projeto de expansão e integração desse bairro planejado, conhecido por suas ruas largas, retas e arborizadas. Ao mesmo tempo que mantinha uma certa distância entre o pequeno campo de pouso, com o ruído dos aviões e a necessidade de campo aberto, e o centro da cidade, com suas residências e comércios.

A primeira diretoria, liderada pelo Presidente Juvenal Lamartine e pelos vice-presidentes Fernando Pedrosa, Décio Fonseca e Omar O’Grady, inaugurou o AeroClube de Natal com uma grande festa que contou com a presença de autoridades e personalidades importantes da cidade. Além do pequeno campo de pouso e hangar, o Clube também contava com quadras poliesportivas e salões que foram palcos das mais importantes festas natalenses. Em 1930, a matrícula para a primeira Escola de Aviação do Rio Grande do Norte foi aberta e a primeira turma, que recebeu treinamento em dois aviões Blue-Bird, concluiu o curso no mesmo ano sob a supervisão do diretor técnico e capitão da Marinha Djalma Petit.

No entanto, o brilho inicial do clube terminou em outubro de 1930, com o golpe militar liderado por Getúlio Vargas, que resultou no exílio do governador do RN e presidente do clube, Juvenal Lamartine. Com o novo cenário político incerto, as atividades do Aero foram interrompidas e permaneceram assim até o final da década. Em 1941, a Avenida Hermes da Fonseca foi construída, conectando o bairro Cidade Nova e ao Aero ao Campo de Parnamirim. A localização estratégica do RN desempenhou mais uma vez um papel crucial internacionalmente quando Natal foi escolhida como base aérea militar importante para os aliados em 1942. A presença dos militares americanos no estado trouxe uma nova dinâmica para a cidade, marcando o início de uma nova era para a aviação e as atividades militares locais. Assim, em 1939, o campo de pouso do AeroClube foi reativado e as aulas de aviação foram retomadas.


LUCY GARCIA MAIA

https://omelhordenatal.com.br/2023/09/17/lucy-garcia-maia-foi-a-primeira-aviadora-potiguar/
Lucy Garcia Maia - Fonte: O melhor de Natal

Foi neste contexto de guerra que surge o nome da potiguar Lucy Garcia Maia. Nascida em Natal no ano de 1918, Lucy era conhecida pelo seu amor por esportes tendo praticado diversos deles, e sendo pioneira na prática do remo, esporte exclusivo para homens na época. Seu envolvimento com os esportes e determinação a levou a ser uma das fundadoras  junto com sua mãe Letícia Garcia, do Centro Desportivo Feminino, que incentivava as mulheres potiguares a praticarem esportes. Em 1942, aos 23 anos de idade, decidiu seguir seu sonho de voar. Lucy, que trabalhava desde os 14 anos auxiliando seu pai Odilon Garcia, agente da companhia Lloyd Brasileiro, foi encorajada por ele a se matricular na turma de pilotos do AeroClube de Natal.

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Brevê Lucy Garcia - Fonte: O Melhor de Natal

Naquele ano, a aviação era exclusivamente masculina, mas Dona Lucy não se deixou abalar pela discriminação ou ”estranheza” com que seu ingresso em um curso cercado por homens causava. Assim, com coragem e ousadia, ela se tornou a primeira mulher do Rio Grande do Norte a passar por treinamento de voo. Em julho de 1942, realizou seu voo inaugural pilotando o avião Piper Cub J-3, decolando da Base Aérea de Natal e sobrevoando o Rio Potengi. Com aproximadamente 800 horas de voo, em 6 de janeiro de 1943, Lucy Garcia finalmente obteve seu Brevê, permitindo-a pilotar três tipos de aeronaves. Lucy foi uma pioneira na aviação feminina, sendo uma das primeiras mulheres do Brasil e a primeira do RN a receber essa licença. Após essas conquistas, Dona Lucy deixou a aviação e voltou a se dedicar ao esporte, mas seus feitos sempre serão lembrados na história potiguar. Símbolos da luta feminina, faleceu em Natal no ano de 2001 aos 83 anos.


ARQUITETURA DO AEROCLUBE

No que diz respeito à arquitetura, a estrutura do AeroClube passou por várias modificações desde a sua construção. Ao analisar fotografias antigas, percebemos que, inicialmente, o edifício pertencente ao ex-governador Alberto Maranhão apresentava um estilo eclético, caracterizado pela combinação de estilos arquitetônicos do passado. Especificamente, a edificação exibia características neoclássicas inspiradas nos Chalés Europeus, semelhantes à Casa Câmara Cascudo de 1900, que já foi tema da Quinta Potiguar, indicando que o prédio provavelmente foi construído nesse período. Assim, observamos recuos laterais e frontais, uma ampla escadaria de acesso, um terraço cercando toda a construção, um telhado de duas águas com um frontão triangular decorado com massa e acabamentos em lambrequins.


Análise arquitetônica estilo eclético original - Fonte: editado pela autora

Posteriormente, o prédio passou por uma intervenção significativa que incluiu elementos do estilo proto-modernista em sua fachada. Esse estilo arquitetônico tornou-se popular em Natal nas décadas de 1930 e 1940, especialmente durante e após a Segunda Guerra Mundial, coincidindo com o retorno das atividades do AeroClube, sugerindo que a reforma ocorreu nessa época. A característica marcante desse estilo é a inspiração em máquinas, principalmente aviões e navios, com foco em cheios em vez de vazios, ou seja, poucas aberturas e ornamentações mínimas nas fachadas. Dessa forma, o terraço originalmente aberto do edifício foi fechado com alvenaria, apresentando aberturas ritmadas semicirculares ao longo de toda a sua extensão.

Análise arquitetônica fase protomodernista - Fonte: editado pela autora

Ao longo dos anos, várias alterações descaracterizaram a fachada, como o fechamento das arcadas e a instalação aleatória de esquadrias, além da adição de um platibanda azul com o nome do clube que cobria o antigo telhado do terraço. No entanto, em 2017, o clube foi palco da renomada exposição arquitetônica da CasaCor, sob a liderança de Cesar Revorêdo e Luciano Almeida. Na exposição, a estrutura principal foi completamente restaurada por Nilberto Gomes e Haroldo Maranhão, que devolveram à edificação suas características proto-modernistas. Atualmente, o AeroClube continua com suas quadras e espaços esportivos em funcionamento mas a edificação principal está sem uso e, por isso, já é possível ver deteriorações em sua fachada recém restaurada.



O AeroClube e Dona Lucy Garcia Maia são representações da história da aviação do estado, além de simbolizarem a luta das mulheres pela igualdade de gênero no Rio Grande do Norte. Que as lembranças desses símbolos, refletidas na arquitetura da fachada deste clube importante em Natal, continuem a narrar a história potiguar e a transmitir o legado de Dona Lucy, ecoando sua coragem e determinação para as futuras gerações. Portanto, é essencial que apreciemos e preservemos essa obra arquitetônica de extrema importância para nosso povo e que guarda tantas histórias.


 

FONTES:

CASCUDO, Luís da Câmara. História da Cidade do Natal. Natal: RN econômico, 1999. 496p.

RIO GRANDE DO NORTE. Fundação José Augusto (org.). Personalidade Histórica. In: Lucy Garcia Maia: Mulher Potiguar - Cinco Séculos de Presença - Século XIX. Rio Grande do Norte: FJA, 2000. 4p.

RIO GRANDE DO NORTE. Fundação José Augusto (org.). A Mulher Potiguar – Cinco Séculos de Presença. Natal-RN, Centro de Estudos e Pesquisas Juvenal Lamartine-CEPEJUL, Fundação José Augusto, 1999

MEDEIROS, Tarcísio. Estudos de História do Rio Grande do Norte. Natal: Tipografia Santa Cruz, 2001.272p.

Aeroclube do Rio Grande do Norte (comp.). História do Aeroclube do Rio Grande do Norte. Disponível em: https://aeroclubern.com.br/sobre-nos. Acesso em: 11 mar. 2024.

DESCONHECIDO (Natal) (ed.). Lucy Garcia Maia foi a primeira aviadora potiguar. O Melhor de Natal, Natal, 17 set. 2023. Disponível em: https://omelhordenatal.com.br/2023/09/17/lucy-garcia-maia-foi-a-primeira-aviadora-potiguar/. Acesso em: 11 mar. 2024.


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